OP. CHILD SAFETY - T.C.C

tcc 27 de Jan de 2023

Quando se é adolescente, é como um mantra achar que todos estão contra você. Como se o mundo fosse seu inimigo e apenas você entendesse o que passa todos os dias. A adolescência é uma fase em que, por muitas vezes, nos sentimos excluídos da “roda dos populares”, que escutamos comentários depreciativos, como: “Você não faz nada além de estudar, e nem faz isso direito”, “Não fez mais que sua obrigação”, “Vai fazer alguma coisa que preste”, entre outras falas. É evidente, portanto, que se trata de uma época onde torna-se difícil lidar com as questões da vida. Nos sentimos sozinhos, pouco acolhidos, negligenciados, esquecidos e excluídos.


Nesse contexto, a Internet se torna um lugar propício tanto para a criação de novos amigos quanto para perpetuação de discursos de ódio. Se ninguém me escuta em casa, na escola, na faculdade… alguém nas redes sociais vai me ouvir e compartilhar do meu sentimento. É evidente que, na era digital, as informações se propagam com rapidez, tornando fácil a propagação de discursos como os que abordaremos a seguir.


Considerando que os discursos de ódio vêm sendo propagados com maior intensidade na última década, através de pesquisas, conseguimos identificar um tipo de comunidade presente tanto no Twitter quanto no Discord, conhecida como: TCC. A T.C.C se apropriou do termo True Crime. O True Crime é um gênero literário e cinematográfico que expõe crimes reais pela visão do autor, podendo ser totalmente verossímil ou não. Existem literaturas, filmes, séries e documentários sobre o gênero True Crime, e esses conteúdos são imensamente consumidos pelos jovens que participam da comunidade.

Eles criam uma obssesão sobre os casos e usam como referência para planejar atentados. Um exemplo é o massacre de Columbine, Eric Harris e Dylan Klebold chegaram a memorizar quase todo o diálogo do filme Natural Born Killer. A sigla NBK (que faz referência ao filme) tornou-se o código para o ataque à escola.
No twitter, a True Crime Community é dividida por uma delicada linha, em que, de um lado, existem os interessados em casos para a sua resolução e debate e, do outro, é composto por adolescentes que vangloriam os atentados em escolas e seus atiradores. Participam, também, de planos para futuros crimes e praticam ou incentivam a automutilação em outros integrantes. A seguir, iremos expor um conteúdo sensível de alguns desses perfis e o tipo de propagação que é feita nesse meio.


@d33kil

@KovaxWar

@D33ploy

G0THXCCI

@Bl00d_I

Esses são apenas alguns dos diversos perfis escondidos pelo Twitter, perfis esses que são responsáveis pela propagação de mensagens de ódio, idealização de criminosos, disseminação de conteúdos de gore, autodepreciação, automutilação e entre outros na plataforma.


Agora que já falamos sobre a TCC, é preciso informá-los que essa comunidade foi palco para o mais recente atentado à escolas no Brasil: o caso de Aracruz, Espirito Santo. Através da conta no Twitter, recentemente EXCLUÍDA, @1_senseless, o assassino dizia ser membro da comunidade. No dia 25/11/22, duas escolas na região de Aracruz, no Espirito Santo, foram alvo de ataque a tiros.

Quatro pessoas foram mortas e treze ficaram feridas. O ataque aconteceu no Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC) e na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Primo Bitti. Após receberem as filmagens e conteúdos do ataque, membros do T.C.C começaram a idolatrar o garoto e fazer “edits” dos acontecimentos. As informações conhecidas, vocês, leitores, já possuem: o atirador tem 16 anos e por isso não teve seu nome ou quaisquer detalhes sobre a investigação divulgados. Entretanto, agora iremos expor algumas informações sobre o atirador, ou melhor dizendo… GABRIEL RODRIGUES CASTIGLIONI.

Tivemos acesso, também, ao depoimento prestado por Gabriel na DHHP - ARACRUZ em 25/11/22. No depoimento, o garoto conta que planejava os atos desde 2020, pouco mais de dois anos. Afirma ter estudado na escola Primo Bitti (1º Ano do Ensino Médio) apenas este ano (2022) e nos primeiros 06 meses, mas atualmente não comparece às aulas. Pensou em praticar o ato na EMEF Santa Cruz, onde estudou por 4 anos (6º ao 9º ano do fundamental) e sofreu bullying por parte dos colegas. O bullying consistia em colocar apelidos e ocorreu com maior intensidade quando estava no 7º ano, perdurando pelos próximos dois anos.

Foi nesse momento que começou a planejar o ataque. Também cita que estudou os locais que atacou e treinava com as armas do pai disparando a seco, habitualmente, quando seu pai não estava em casa. Aproveitou quando os seus pais saíram para fazer compras no supermercado no carro ÁGILE, e utilizou-se da DUSTER que estava na garagem para dirigir até as escolas. Diz ter encoberto a placa utilizando jornais e fitas. Afirma, com convicção, nunca ter comentado com ninguém sobre seu plano e que não teve ajuda. Gabriel também disse em seu depoimento que não tinha nenhum alvo específico em nenhuma das duas escolas.

Falou que teve facilidade em entrar na escola particular, pois o portão estava aberto, e que não sabia a idade das crianças, apenas avistou a primeira sala e atirou nos alunos que estavam na porta. Em seguida, o jovem foi para a Praia Coqueiral retirar os jornais da placa do carro, finalmente indo para casa. Guardou o carro e começou a organizar as coisas como estavam antes. Seus pais chegaram em casa cerca de 40 minutos depois e agiu normalmente.

Quando questionado sobre o símbolo que sua faixa no braço continha, afirma não ter conhecimento sobre seu significado, que apenas gosta da estética e do símbolo, mas não significa nada. Disse também que não sabe quem mais gosta desse símbolo, pois não possui amigos. Ao ser perguntado sobre sua conta no YouTube “siegrefid”, diz ser sua, mas que não sabe dizer o que esse nome significa. Gabriel finaliza seu depoimento dizendo que seu objetivo era ficar vivo e solto “depois que fizesse”.

Acredita que os atos que praticou podem ocorrer em outras escolas, mas não por pessoas ligadas a ele. Afirma tomar seus medicamentos, mas não como a médica prescreveu. Fazia acompanhamento com a psicóloga, mas não contou a ela sobre os seus pensamentos e o que planejava fazer. Que não relatou para a escola que sofria bullying, mas contou aos seus pais, que foram até a escola para tentar resolver.

Essa ultima parte do depoimento merece uma atenção, para além dos transtornos psiquicos. O nazismo nessa história é ponto chave para entender como Gabriel chegou ao extremo das suas conspirações de endeusamento. Primeiro, vale lembrar, que muitos canais da comunidade TCC apoiam abertamente o regime nazista, fascistas e algumas figuras de lideranças desses como Hitler. Segundo, e não menos importante, é duvidoso quando ele diz não conhecer o símbolo da suástica e nem conhecer alguém que saiba o que é, já que seu pai vivia publicando conteúdos nazistas na rede social. Sem contar que se você gosta de algo, você procura mais sobre aquilo. É distante da realidade acreditar que ele não conhece o simbolo por não ter amigos, afinal ele estava na rede social justamente nessa tentativa de construir relações. Foi na rede e em casa que ele aprendeu e se formou enquanto neonazista.

É evidente que, são inúmeras as causas que podem levar um adolescente ao triste episódio como o de Aracruz, o de Realengo, Suzano e todos os outros. Não é o primeiro e nem será o último atentado a escolas, com suas motivações diversas. Seja por bullying sofrido no colégio, seja por transtornos mentais, negligência parental e negligência no ambiente escolar. E, com o intuito de evitarmos novas tragédias como essa, precisamos refletir onde estamos errando e o que iremos fazer com isso.

Ao colocar um ser humano no mundo, nos comprometemos a cuidar, amparar, auxiliar, aconselhar e educar. Compreendemos que o excesso de informações, a loucura do dia a dia, longas jornadas de trabalho, entre outras adversidades, torna cada vez mais difícil a relação e a atenção dada à nossos filhos. No entanto, também compreendemos que há muitos pais que por sua vez, não cumprem com tamanha responsabilidade e buscam compensar seus filhos por meio de “afetos materiais” e acesso a internet prematuro, sem supervisão. O que precisa ser entendido é que a Internet é um lugar perigoso, não podemos simplesmente jogar uma criança nesse meio e esperar que ela entenda o mundo virtual e os perigos que ele oferece. Como é possível que um adolescente de 16 anos tenha planejado por dois anos um atentado e os pais não tenham notado seu comportamento diferente? Não só nesse caso, mas em todos os outros tristes atentados a instituições de ensino que ceifaram tantas vidas inocentes que não tem nada a ver com o caos mental do assassino.

A internet não supre sua ausência, pai e mãe, a internet não ensina, não educa, não conforta e não aconselha. Esse papel é em grande parte seu. Então, aqui vai um pedido extremamente importante: ouçam seus filhos. Sentem e conversem, perguntem como eles estão, como estão se sentindo, como vão os estudos e seus colegas. Os pais não devem ser fonte de repressão e sim, propiciar um ambiente seguro e aberto para que seus filhos sintam-se confortáveis em se abrir com vocês. Quando eles pedem ajuda, permite com que vocês façam parte da vida deles. Sabemos que estão fazendo o seu melhor, dentro de suas possibilidades, mas infelizmente, como temos percebido, por vezes, não é o suficiente.
Pais, é natural que se sintam perdidos, tenham dificuldades e se sintam desamparados. Por isso, procurem orientação profissional, busquem psicólogos, vocês não precisam passar por isso sozinhos. Portanto, a partir desse texto, toquem em seus corações e se perguntem, estou sendo uma fonte acessível ao meu filho? Está sendo o suficiente o que estou fazendo? Ou estou apenas o jogando para que o mundo o crie?

Confira o Processo:

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