Racismo Implícito

Notícias 1 de Dez de 2021 ES EN

Durante muito tempo, o que legitimou o sistema escravocrata foi a economia. Quando os africanos foram sujeitados como bens comerciais, portos britânicos tornaram-se centro do tráfico negreiro, à medida que muitos ingleses passaram a negociar com governantes de regiões como Serra Leoa e Bunce. Os escravos que percorriam pelo lucrativo negócio no Atlântico eram considerados pessoas sem raízes, ou seja, estavam socialmente mortas (em uma espécie de vida nua, despojadas de direitos civis ou sociais, à margem da lei, sem terra, abandonadas de seus direitos).

Assim sendo vidas nuas, eram sujeitadas na relação de poder com os senhores. Apesar disso, havia ainda uma zona de tensão entre os senhores e seus escravos, pois os escravos podiam invadir e atacar a qualquer momento; tal zona de tensão levou a tornar as brutalidades contra esses povos uma naturalidade, uma forma de reprimir a revolta, causar medo por meio do espetáculo da punição. Não se trata apenas morte, mas de suplício, ou de um espetáculo punitivo. Há relatos do monge dominicano Bartolomeu de las Casas sobre cenas de mutilação do rosto de pessoas negras.

Ao mesmo tempo em que ocorriam tais atrocidades, surgiam escritos e debates entre advogados, filósofos, antropólogos, biólogos e escritores, em geral, sobre negros poderem ser considerados seres humanos ou estarem próximos de animais. Tal discussão teve seu despontar nas notas tomadas por Colombo ao se deparar com pessoas de pele muito escura em sua viagem à Serra Leoa, algo totalmente diferente do que pregara narrativa clássica e medieval. Daí desdobraram-se múltiplas discussões sobre o tema, passando por Locke (e o possível cruzamento entre ser humano e um chimpanzé), Shakespeare (e a representação do Caliban) e entre outros.

Se não bastasse, no ápice do mercantilismo (ou o primeiro instante do capitalismo), a posse de escravos era tida como símbolo de riqueza e poder aquisitivo, trata-se da exploração do lucro através dessas diferenças. Foi através do lucro da escravidão que muitas cidades e negócios alavancaram seu crescimento, como por exemplo a cidade de Bristol. Se por um lado a Coroa lucrava com a mão de obra no trabalho de comercialização da colônia, também lucrava com o tráfico negreiro (uma dupla captura para a produção de capital).

É analisando tais pontos que observamos o surgimento de um conglomerado de estruturas sociais, jurídicas, científicas (ou acadêmicas) e econômicas que convergem para a criação de relações de poder entre brancos e negros. Chamamos este conglomerado de dispositivo de poder (como assim nomeou o filósofo francês Michel Foucault, o conjunto de saberes, discursos, conhecimentos e mecanismos institucionais como meio de subjetivação, neste caso: de produção de um determinado sujeito monstruoso e inferior, o negro, ou também o nativo).

Após a abolição da escravidão, o sul dos EUA, ainda se recusavam a tratar os negros como iguais, mas era necessário o seguimento da lei. Houve presidentes que disseram que não iriam mais interferir no sul, fazendo com que muitos governadores sulistas criassem novas leis, como a Lei Jim Crow (personagem criado por Thomas Rice, no qual era praticado o Black face), lei que exigia diferentes instalações para brancos e negros; as leis foram aplicadas entre 1877 e 1964.

A pergunta a ser respondida é: de que maneira todo esse brutal e complexo dispositivo de poder perdura até os dias atuais, mesmo após tanto "caminho de evolução", após tantos estudos e leis sobre o racismo? Como o racismo estrutural, ou racismo implícito, é capaz de enraizar-se no comportamento das pessoas e nas estruturas das relações sociais, sendo reproduzido de maneira até mesmo mecânica?

Com a proibição da discriminação manifesta, teve-se a falsa impressão do fim do racismo, algo que nunca ocorreu, pois ele apenas ganhou uma nova forma. O racismo implícito também pode ser chamado de racismo estrutural ou moderno, é uma forma de discriminação inconsciente, uma prática que na maioria das vezes se faz e não se percebe. Nesta forma de racismo é mascarada a prática discriminatória direta, contudo há o sentimento preconceituoso de forma interna, que se manifesta na maioria das vezes quando a pessoa preconceituosa está estressada, com raiva, sob ingestão de álcool e em outros casos em que se perca o total controle consciente. Em resumo, o racismo implícito está presente nas pessoas que agem  externamente sem preconceito aparente, porém com atitudes preconceituosas internamente, até mesmo de forma inconsciente.

   

De acordo com Elliot Aronson, em Psicologia Social, "quando dizemos que alguém é preconceituoso em relação aos negros, queremos dizer que essa pessoa está, por antecipação, inclinada a se comportar friamente ou com hostilidade em relação a eles e que os considera todos praticamente iguais. As características por ela atribuídas aos negros são negativas e aplicadas ao grupo como um todo. Traços ou comportamentos individuais do alvo do preconceito passarão despercebidos ou serão desprezados". Esta predisposição do racismo é constituída por três componentes:

       

       1. Estereótipos, o componente cognitivo

       

       Estereótipo é a generalização de um grupo social, onde é atribuído diversas características para todos os membros, sem distinção da real variação deles. O processo cognitivo humano que define os estereótipos funciona através da chamada correlação ilusória. Segundo o site Psicologia Diz, a correlação ilusória é "o que nos leva a estabelecer relações entre duas variáveis ​​que ou não têm uma relação tão forte, ou diretamente não relacionadas".

       

       2. Emoções, o componente afetivo

       

       Esse é o componente que exerce grande atividade em grupos intolerantes ou reacionários, além de destaque no racismo implícito, que muitas vezes é inconsciente. O componente afetivo está relacionado a sentimentos negativos profundamente enraizados. Este é o principal aspecto que torna tão difícil argumentar com pessoas preconceituosas, argumentos racionais e lógicos não são eficazes para enfrentar emoções, mesmo quando a pessoa tem consciência de que seu preconceito pode estar errado.

       Como bem observou Gordon Allport, "derrotado intelectualmente, o preconceito perdura emocionalmente".

       

       3. Discriminação, o componente comportamental

       

       A discriminação ocorre quando há uma ação negativa prejudicial e/ou injustificada a um indivíduo ou grupo social, apenas por fazer parte dele. Em uma sociedade com uma cultura enraizada no padrão de beleza de pessoas magras, por exemplo, pessoas gordas frequentemente são alvos de piada e discriminação, inclusive possuem menores probabilidades de serem contratadas ou promovidas, quando comparadas a pessoas esbeltas (Finkelstein, DeMuth e Sweeney, 2007). Este caso de preconceito é o que também ocorre em grande escala no racismo implícito.

   

Como em nossa sociedade as atribuições estereotípicas são abundantes e há um índice extremamente alto de comportamento discriminatório, as grande maioria das pessoas tendem a desenvolver atitudes preconceituosas até certo ponto; esta é a discriminação institucional, o que inclui o racismo e o sexismo institucionalizado.

   

O preconceito muitas vezes é aprendido na infância, por meio dos pais ou dos avós, porém o racismo estrutural também pode ser causa da grande falha social que há no país. Ainda em Psicologia Social, "Se tiver crescido em uma sociedade em que poucos membros de grupos minoritários e mulheres têm uma carreira profissional (no geral, em empregos inferiores), você terá maior probabilidade de desenvolver algumas atitudes negativas referentes à habilidade inerente desses grupos. Isso acontecerá sem que alguém precise ensiná-lo diretamente de que eles são inferiores e sem que alguma lei ou decreto os proíba de frequentar universidades, salas de reunião de diretores, ou escolas de medicina. Em vez disso, as barreiras sociais criarão a falta de oportunidade para esses grupos".

O grande número de estereótipos e preconceitos desenvolvidos, principalmente o racismo, causam efeitos degradantes nas vítimas, entre os principais está a diminuição de autoestima do alvo do preconceito, com a internalização da visão da sociedade de que ela ou o grupo seria inferior, pouco atraente ou incompetente; e as profecias autor realizadoras, que são o caso em que a vítima age de acordo com as expectativas que as pessoas têm de como ela é.

   

Como bem exemplificado por Suzana Dutra Del Monte:

       

    "Exemplos de profecias auto realizadoras são quando os pais dizem frequentemente perto do filho que “ele é terrível”, “é igualzinho ao pai”. A profecia estigmatiza um indivíduo em função de um de seus comportamentos e a crença passa a ser de que assim sempre será em todas as situações, o que não é verdade, pois nosso comportamento é diferente para cada vínculo ou situação. No entanto se eu começo a me relacionar com uma criança já acreditando que ele seja “terrível” como disseram, minhas atitudes com este indivíduo podem o fazer agir conforme minha expectativa".

       

Fato que infelizmente ocorre em grande parte das vítimas de discriminação e preconceito e por isso, não podemos deixar de lutar contra essa prática.

A luta contra o racismo é constante, todos os dias milhares de pessoas enfrentam isso, ao sair de casa, no trabalho, em transportes públicos e em centenas de outros lugares, incessantemente são julgadas pela cor de sua pele, essa não é uma luta atual, um exemplo, é Rosa Parks uma estadunidense que lutou pelos direitos civis negros na cidade de Montgomery, no Alabama, sua luta começou do dia 1 de dezembro de 1955. Montgomery na época, era onde estava ocorrendo um dos maiores conflitos raciais dos Estados Unidos, onde havia se instituído as leis Jim Crow, citada acima. Um exemplo da execução dessa lei seria caso de Rosa, os brancos levavam grande vantagem nos ônibus, já que somente eles poderiam ocupar os primeiros acentos. Rosa estava voltando do trabalho, pegou um ônibus e se sentou, assim como outros negros, conforme os brancos entravam, e ficavam em pé, o motorista pediu para que levantassem para ceder o lugar, eles se levantavam, porém ela fez algo que ninguém esperava, Rosa se recusou a levantar e permaneceu sentada, com toda aquela situação, a polícia foi acionada e levaram ela presa por descumprir a lei de segregação da cidade. Ela saiu no dia seguinte graças ao presidente do NAACP, Edgar Nixon e seu amigo Clifford Durr, que pagaram sua fiança. Sua prisão causou grande comoção, fazendo com que trabalhadores negros e simpatizantes da causa passaram a caminhar por quilômetros em forma de protesto, causando grande prejuízo para empresas de transporte. O protesto durou cerca de 382 dias e só terminou em 13 de novembro de 1956, tendo acabado após a lei ser anulada pela Suprema Corte. Inclusive o movimento teve apoio de pessoas muito conhecidas hoje, como Martin Luther King e Mahalia Jackson, uma cantora gospel.

Como vimos, até mesmo provendo ao próprio indivíduo preconceituoso o conhecimento de que está estereotipando outro grupo e cometendo ato imoral não resolve a questão, e muitas vezes as pessoas até fortificam suas crenças discriminatórias. Com este problema, após muitas investigações de psicólogos sociais para encontrar uma forma que possa reduzir o nível de preconceito, foi-se desenvolvida a teoria do contato. Ela se mostrou efetiva em muitas situações, principalmente na educação infantil, que é uma das raízes de onde se deve começar o tratamento desses atos.

   

Para que se possa reduzir o preconceito entre dois grupos, a hipótese do contato conta com as seguintes condições: a interdependência mútua, um objetivo comum, um mesmo status, contato informal entre as pessoas, múltiplos contatos e normas sociais de igualdade. Seu desempenho testado em uma sala de aula infantil apresentou como resultado a melhora da autoestima, do desempenho, aumento de empatia e relações de amizades entre os grupos.

   

   Há esperança! Lute com nós nessa causa!

   

    "Nunca é tarde demais para abandonar nossos preconceitos. Não se pode confiar às cegas em nenhuma maneira de pensar ou de agir, por mais antiga que seja. O que hoje todo mundo repete ou aceita em silêncio como verdade amanhã pode se revelar falso, mera bruma de opinião que alguns tomam como uma nuvem de chuva que fertilizaria seus campos"

- Henry David Thoreau

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