Precisamos de uma Alternativa

Notícias 19 de Jan de 2022

"A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes."

Confira nosso vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=FeSshRH4exQ


É assim que Marx começa o primeiro capítulo de seu Manifesto Comunista. Se apoiando fortemente em sua interpretação materialista da dialética Hegeliana, e em sua análise histórica, é possível dizer ser justamente essa constante oposição entre dominadores e dominados que movimentava, para Marx, toda a sociedade, por todo o período em que existem registros históricos. É por esse motivo que algumas interpretações afirmam que Marx pretendia sua obra ao "fim da história".
É perfeitamente possível concordar com Marx em alguns pontos e discordar em diversos outros. Provavelmente foi este o motivo pelo qual Bakunin traduziu por iniciativa própria a primeira versão do Manifesto que chegou em solo russo. Um anarquista importantíssimo e um dos maiores opositores de Marx na esquerda revolucionária na época, Bakunin desprezava a ideia da necessidade de uma "ditadura do proletariado" como solução para a luta de classes. E, ainda assim, via valor suficiente nos escritos de Marx para traduzir o livro incendiário de seu opositor.


Tanto Marx quanto Bakunin, também um Hegeliano, concordavam que a maior origem dos problemas sociais eram as estruturas de poder opostas e antagonistas de dominadores e dominados. Para ambos, as classes econômicas mais privilegiadas exploravam e controlavam as classes mais pobres. E ambos concordavam com o instrumento de dominação usado por aqueles que dominavam: O Estado.

O Estado


O Estado é uma entidade misteriosa. É um desses conceitos que à primeira vista parecem ter uma definição auto-evidente. Quando eu ou você nos referimos ao Estado, normalmente teremos uma ideia muito próxima do que a palavra significa.
Porém, quando procuramos as definições de diferentes pensadores e acadêmicos que tentaram entender a essência dessa entidade, as definições variam enormemente.
Uma das definições mais comuns é a do sociólogo e jurista Max Weber, em seu livro "A Política como Vocação", escrevendo a partir de uma citação de Trotsky:

  • "Devemos dizer que um Estado é uma comunidade humana que se atribui (com êxito) o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território definido."
  • Já Lenin, a partir de uma citação de Engels, escreve em "Estado e Revolução":    "O Estado surge onde, quando, e enquanto o antagonismo de classes não possa ser reconciliado. Portanto, a existência do Estado prova que os antagonismos de classes são irreconciliáveis. "Por sua vez, o filósofo John Locke escreve em "Segundo Tratado sobre o Governo Civil":  "Quando os homens se uniram em sociedade sob um governo civil, excluíram o uso da força e introduziram leis para a preservação da propriedade, da paz e da unidade entre eles."


Apesar da definição do termo "Estado" variar enormemente, é possível encontrar uma semente de união em alguns entendimentos. Por isso, quando falarmos dessa entidade nesse ensaio, consideraremos que:    

  • -O Estado é um conjunto de instituições e governantes;    
  • -O Estado tem autonomia para criar leis e julgar ofensores;    
  • -O Estado tem como principal objetivo a proteção dos direitos de propriedade;  
  • -O Estado tem o monopólio do uso da violência.


Estado & Ditadura


Nenhum ditador governa sozinho. Por mais que se acredite que um rei receba o poder de governar de uma divindade, seja ela o Deus bíblico, a divindade solar egípcia, ou a Dama do Lago, se um ditador não tiver a lealdade de certos subordinados ele logo será deposto e substituído. E a melhor forma obter e manter essa lealdade é com dinheiro.
Um ditador não precisa manter seu povo mais feliz do que o mínimo necessário. Ele precisa manter felizes aqueles que deixam a população na linha. Se os seus generais, chefes de polícia, clero, grandes comerciantes, entre outros, não utilizarem a influência que possuem para manter a população produtiva o suficiente para abastecer os cofres públicos, e assim receberem seu quinhão, o Ditador perde toda sua capacidade de governo. E, ainda mais, se arrisca a morrer misteriosamente enquanto um irmão ou sobrinho mais hábil politicamente assume seu trono.


Em outras palavras, por mais totalitário que um governo seja, se o ditador não tiver o apoio e a lealdade das figuras que lideram as instituições estatais, seu governo cairá.
Quando pensamos em grandes revoluções que derrubaram ditadores, nos vêm à mente a revolta da população, organizada sob uma única bandeira, devolvendo aos seus antigos dominadores tudo aquilo que eles merecem. A própria Revolução Francesa, que moldou o nosso modelo de governo atual, costuma ser romantizada desse jeito.
No entanto, é preciso lembrar que, às vésperas da revolução, a monarquia francesa consultava partes da população, na tentativa de manter a lealdade. Haviam conselhos formados por membros do clero, da aristocracia e da população comum, esta representada por advogados, grandes comerciantes e outros membros de destaque da sociedade. Em suma, os burgueses. Apesar de o governo ser totalitário, o estado era constituído por esses representantes.


Depois que as guilhotinas fizeram seu trabalho e o sangue foi lavado das ruas, a grande invenção da vez foi o sufrágio. Agora, a população determinaria quem iria governá-la. Os governantes seriam obrigados a agir para garantir o bem e a felicidade de seus eleitores, ou não seriam eleitos e não teriam nenhum poder.
Era o fim da ditadura e o renascimento da democracia. As cabeças cortadas e os horrores da revolução haviam sido um mal necessário para o bem de toda a população.


Estado & "Democracia".


Ao contrário da versão romantizada da Revolução Francesa, é preciso vê-la como ela foi: A derrubada de uma ditadura monárquica por uma classe já privilegiada da população. Os Burgueses. Houve uma ascensão social desta classe, que passou a governar na prática, no lugar da monarquia, tendo uma influência esmagadora na eleição de um representante através do voto. Desta forma, a estrutura de dominadores e dominados continuou existindo. E essa estrutura continuava usando o mesmo equipamento para isso. O Estado.


Também é importante lembrar que o modelo criado pela Revolução Francesa, e posteriormente consolidado na independência dos EUA, foi chamado República de Governo Representativo. No entanto, apesar de se propor a eleger representantes, os governos populares, liderados por integrantes originários das classes mais baixas da população são, em geral, um fenômeno relativamente recente. E raro.
Por algum motivo, os "representantes" eleitos continuavam a ser integrantes da classe dominante. O motivo já havia sido explicado logo nas primeiras décadas deste novo modelo de governo, pelo teórico liberal e individualista Alexis de Tocqueville.

Tendo sido um pensador aclamado por sua análise dos governos representativos, ele escreve em seu "Lembranças de 1848": "Esta era a crítica que muitos dirigiam ao sufrágio universal: se todos votassem, dar-se-ia peso excessivo àqueles que, sendo assalariados dos ricos, seguiriam a influência de seus patrões".
E em 'A Democracia na América': "O voto universal seria menos perigoso na França do que na Inglaterra, onde quase toda a propriedade tributável está reunida em poucas mãos".
Isto porque, em um cenário onde há o sufrágio universal, aquele com mais recursos para publicidade à sua disposição, fará com que a sua candidatura seja a única conhecida. E isso se amplifica conforme a desigualdade social aumenta.
Em uma sociedade desigual, os governantes querem tornar felizes não os eleitores, mas aqueles que financiaram sua candidatura.


Não vivemos em democracia.
Vivemos a ilusão da democracia.


Quando escolhemos um representante, o fazemos de uma lista de candidatos pré-selecionados por partidos. Vivemos em um sistema que já vem viciado em sua origem, onde aquele que tem mais recursos, é quem tem maior capacidade de alcance e de convencimento do eleitorado. E empresário não faz doação. Faz investimento.
Isso pode ser visto nas ações do governo atual, onde Bolsonaro se movimenta para perdoar dívidas bilionárias de Igrejas que abusavam da imunidade tributária, mas pagavam comissões baseadas no número de fiéis nas igrejas. Ou o perdão das dívidas de mais de 17 milhões de Reais da sonegação de ruralistas.
E isso não ocorre apenas com o governo atual, mas com qualquer um nesse sistema. Durante o governo Lula, apesar de algumas reformas e conquistas sociais, os bancos lucraram quase 300 bilhões de reais, oito vezes mais que no governo anterior. O próprio Lula só foi eleito após escrever a "Carta ao povo brasileiro" em 2002, onde Lula diz:    "Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu apoio.

Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país. "Em seguida, a carta segue criticando a política econômica do governo na época e assume uma série de compromissos, na clara intenção de obter apoio do mercado financeiro e empresariado.
E podemos ter certeza de que as opções de "terceira via" que se apresentam para as próximas eleições são até mesmo piores nesse sentido. Contamos com um juiz que combinava sentenças com a promotoria e abriu as portas para o projeto de Bolsonaro, para ganhar um cargo assim que esse assumiu. E temos Ciro, que vêm adotando um crescente discurso conservador na esperança de atrair os bolsonaristas arrependidos.


Todas as nossas opções são pessoas que estão jogando um jogo viciado, feito para manter os privilégios da mesma classe que criou o sistema.
O governo representativo coloca a população em uma situação onde parece não haver alternativa, como dizia a Dama de Ferro. Enquanto a elite está confortável com seus privilégios garantidos, a população vota e não consegue entender por que nada muda. As acusações de que "as pessoas não sabem votar" acabam encobrindo a raiz do problema.
E toda a romantização do sistema representativo não vale de nada assim que a elite se vê ameaçada. Neste caso toda a importância da democracia acaba e ela passa a apoiar um governo autoritário de direita.
Sem o apoio das elites, Hitler não teria subido ao poder, Mussolini não teria fechado o parlamento, Getúlio não teria dado cabo ao Plano Cohen e 1964 seria um ano lembrado no Brasil pelo desabamento de um prédio inteiro em Piracicaba. Vale lembrar que, em todos esses exemplos, o fantasma do comunismo foi um dos motivadores para os golpes de estado que instauraram ditaduras plenas.


Conclusão


O sistema representativo ainda é preferível a uma ditadura aberta. Não porque os governantes sejam mais bondosos ou mais capazes. O que ocorre é que os interesses dos governantes costumam estar alinhados com os interesses da população com uma frequência maior quando comparados aos de um ditador. Além disso, quando comparadas com um sistema totalitário, as estruturas de um sistema representativo permitem a existência de tensões dentro do próprio governo, divergências políticas entre partidos, blocos políticos e econômicos. Nessa divergência, existe a possibilidade de reformas pontuais, mas uma mudança estrutural é quase impossível.
Assim, o sistema representativo continua reforçando a estrutura de poder entre dominantes e dominados, aumentando a desigualdade social e a dominação econômica dos países mais pobres pelos mais ricos. É uma situação perigosa, pois ele é suficiente para manter os direitos e regalias dos ricos aos custos da população miserável, mas parece tolerável quando a única alternativa que se apresenta é uma ditadura, que pode agravar todos esses problemas.
Quando vivemos em um sistema político não por que é a melhor escolha, mas por que a outra opção é pior, sabemos que há algo de muito errado.


Precisamos de uma alternativa.

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