ANOS DE IMPUNIDADE: MARIANA E BRUMADINHO

impunidade 25 de Jan de 2023

"Transformaram o rio em um corpo pelado"

Ailton Krenak

Saudações povo brasileiro, saudações Krenaks, saudações Pataxós, saudações Xukuru Kariri, saudações a todos os povos que, assim como nós, sentem a morte na pele todos os dias.

A vocês que resistem ao sistema cruel e genocida, nós estamos aqui. Eles sentirão o poder de Anhangá, eles não conhecem a sua força. Estamos aqui para lembrar aqueles que esqueceram dos 8 anos de impunidade do rompimento da barragem em Mariana. Dos 4 anos de impunidade do rompimento da barragem de Brumadinho. Há pessoas lutando por seus direitos, que são ignoradas por aqueles que têm a responsabilidade de denfendê-los. Há pessoas que sofrem pelas consequências da omissão do governo e da justiça. Há pessoas precisando de ajuda e nós estamos aqui para o que for preciso.

Não aceitamos que enquanto pessoas são assassinadas, uma pequena parte da população enriquece. Não aceitamos que enquanto autoridades saciam sua sede de poder, minorias sejam atacadas, oprimidas e mortas. Não aceitamos que vocês ignoram a realidade, porque é assim que as injustiças aumentam. Não esquecemos dos empresários do agronegócio que financiam poderes políticos para continuarem livres para matar. Não esquecemos dos empresários que utilizam da vida para ostentar riquezas. Não esquecemos que empresários não se importam com a vida, que só querem o prazer e lucro próprios. Empresários do agronegócio, sua riqueza é como uma barragem que guarda sangue de inocentes, e quando ela romper (e ela vai), vocês serão afogados pelo sangue das suas vítimas.

O que sabemos, e o que vocês sabem, é que o sistema da forma como o conhecemos não nos conhece como somos. Não nos quer como somos. Da mesma forma que a cultura de exploração e colonizadora pintou os conquistados como maus ou descartou suas culturas, classificando-as como inexistentes, sub-culturas, ou erradas. O mal dos reacionários disfarçados de conservadores, fascistas, xenofóbicos que pretendem erradicar os povos originários para lucrar com o garimpo de suas riquezas naturais, lavadas em sangue de inocentes que buscam apenas manter sua identidade e forma de viver não perdurará. Eles contam com a proteção que o desconhecimento de seus atos cria, acreditam que a sociedade compactua com seus crimes. Nós estamos aqui para garantir que seus atos não passarão desconhecidos, e seus crimes não passarão impunes.

Estamos exaustos de sermos apenas uma peça de produção, criada e manipulada para gerar lucros com nossas vidas. Os desastres de Brumadinho e Mariana nos mostraram o quanto empresas e seus empresários não se importam com a vida daqueles que fazem as coisas acontecerem. Não se importam com a vida da qual eles dependem. Empresários, suas irresponsabilidades criminosas custaram tudo que milhares de pessoas levaram uma vida para construir. Devemos nos voltar contra todo e qualquer tipo de injustiça, o povo deve se unir e fortificar o elo criado entre si. É inaceitável um desastre dessa magnitude, com todas essas mortes em Brumadinho e em Mariana sair impune, sem responsáveis.

Que vida social é essa que coloca valores na nossa existência, nossa humanidade e nossa dignidade? As empresas citadas, apresentaram recursos na Justiça do Trabalho contra a decisão que fixou indenização de R$ 1 milhão por danos morais para cada empregado da mineradora que morreu na tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais. A sentença de primeira instância publicada contemplou 131 funcionários. A mineradora alega em recurso, no entanto, que o valor é "absurdo" e "exorbitante" e que é "astronômico" o total de R$150 milhões arbitrado na decisão. Quanto vale uma vida? Está certo viver em um sistema no qual sua vida tem um valor mensurável? É justo termos nossos direitos violados por um sistema falho que visa apenas lucro para uma elite? Vivemos em um sistema em que o dinheiro garante tudo e qualquer coisa, inclusive impunidade.

Quem são eles para decidir quanto vale 131 vidas? A mineradora lucrou 30,5 bilhões no primeiro trimestre de 2021. É revoltante e intolerável que continuemos sendo explorados, injustiçados e tratados como uma simples engrenagem, que enche o bolso de pessoas que não merecem ser chamadas de humanos. As famílias que perderam suas casas, continuam desalojadas, grande parte morando de favor, enquanto a construção de casas prometidas para realocar quem teve sua vida destruída não avança. Enquanto a VALE faz propaganda em rede nacional, há pessoas que ainda sofrem pelos danos irreparáveis da empresa. Eles metem, omitem, escondem e desvirtuam a realidade por dinheiro, por lucro e por poder.

Quando foi que o dinheiro tomou conta de nós ao ponto de fecharmos os olhos para a a injustiça que corre do nosso lado? É dever de todos nós o boicote, a revolta, a manifestação contra essas empresas que nos matam. E não mata só gente não. Somos seres vivos integrados à terra, é um sistema que vai além da individualidade humana. É incoerente não nos movimentarmos contra essas violações, o que acontece em Minas Gerais é responsabilidade de todo e qualquer brasileiro. Esse território é nosso e deixamos que empresas privatizem a terra para lucrar em cima do nosso sofrimento. Nos deixamos enganar com propagandas e notinhas porque é mais confortável do que abrir os olhos e ver a carcaça que se encontra o povo brasileiro. Se não houver movimento, seremos apenas ossos no final dessa trágica história.

RELEMBRE AS TRAGÉDIAS

O Estado de Minas Gerais concentra o maior número de barragens do país, cujo objetivo é armazenar todos os rejeitos resultantes da extração de minério de ferro. Em 5 de novembro de 2015, Mariana, Município de Minas Gerais, entrou para a história como o primeiro grande impacto ambiental mundial em decorrência de um desastre industrial. Quatro anos depois, Brumadinho passou a ocupar o segundo lugar nesse triste ranking.

O desastre de Mariana se deu por conta do rompimento da barragem de Fundão, explorada pela mineradora da Samarco e administrada pela Vale. Localizava-se numa região de difícil acesso em Bento Gonçalves, distante 35 km de Mariana. Com o rompimento, 62 milhões de metros cúbicos de lama (água, areia, ferro, resíduos de alumínio, manganês, cromo e mercúrio), atingiram não somente o solo ao redor, mas também percorreram todo o Rio Doce, atravessando os Estados de Minas Gerais e Espirito Santo, até chegar ao Oceano Atlântico.

O rompimento de barragem em Brumadinho, ocorreu em 25 de janeiro de 2019. Também controlada pela Vale, a barragem Mina Córrego do Feijão (Barragem 1) estava na região de Córrego do Feijão, Município de Brumadinho. Com o rompimento, a lama de rejeitos formou grandes ondas e avançou em direção ao Município, atingindo tudo em seu caminho, até chegar ao rio Paraopeba, extinguindo neste toda forma de vida existente.

Investigações apontaram que, em ambos os casos, a Vale há anos estava ciente do alto risco de rompimento dessas barragens e vinha omitindo tais informações da Agência Nacional de Mineração (ANM) por meio da falsificação de documentos e vistorias, que atestavam a estabilidade e segurança dessas barragens. Em Mariana, embora a mineradora alegue que a barragem estava desativada e sendo monitorada, técnicos que realizavam vistorias já haviam chamado a atenção para um possível rompimento, visto que a barragem operava com sua capacidade no limite. Brumadinho era classificada pelos documentos falsificados com baixo risco de rompimento, porém apresentava alto potencial de danos.

Tais falsificações ocorriam sob a ameça de quebra de contratos com empresas de auditorias e demissão de engenheiros como forma de retaliação. Nesse processo, a empresa alemã de consultoria Tuv Sud teria se unido à Vale e seu esquema criminoso. Investigadores apontam que desde 2017 a Vale tinha conhecimento dos riscos de rompimento na Barragem de Brumadinho e em outras nove.

Não seria irresponsabilidade e negligência do estado deixar na mão do próprio criminoso o ato de averiguar a estabilidade das barragens? E o governo continua batendo na mesma tecla, seja por interesse, seja por lucro, seja por persistência ignorante, eles ainda não aprenderam ou escolheram não compreender. Hoje, a Agência Nacional de Mineração atua com a ausência de 40% das pessoas necessárias para a fiscalização das barragens. São 34 funcionários responsáveis por fiscalizar as 928 barragens espalhadas por todo país. Os funcionários e a população é quem paga pela falta de responsabilidade intencional do estado.

DANOS SOCIOAMBIENTAIS

Até hoje não foi possível estimar todos os danos causados em ambos desastres, que podem levar um século para sua reparação, isso se houver possibilidade de reparo. O que se sabe é que em Mariana, 19 vidas humanas se perderam. Já em Brumadinho, 272. Dessas, 3 pessoas ainda continuam desaparecidas, dificultando o processo de luto de seus entes queridos. Inúmeras famílias perderam suas casas. As águas dos rios tornaram-se impróprias para consumo, levando a extinção de espécies aquáticas e a incapacidade de pesca. O excesso de ferro e de outros metais na água despejados pela lama da mineração mudou o microbioma, isto é, a diversidade de micro-organismos do rio Paraopeba.

A vegetação local fora destruída. Alterações e poluição do solo tornaram algumas regiões inférteis. O impacto no modo de vida e nos valores étnicos e culturais dos povos indígenas e populações tradicionais é outro agravante ignorado por tudo e todos. E houve o crescimento abrupto dos casos de depressão, transtorno de ansiedade, alcoolismo e o desenvolvimento de doenças naquela população. Consequentemente, uma das maiores fontes de renda desses municípios, o turismo, também fora abalado, gerando grande impacto socioeconômico nas regiões e desemprego. Em nossos relatórios, ao final, você pode conferir todos os impactos socioambientais decorrentes dos rompimentos da barragem.

Em janeiro deste ano, pesquisadores da UFRJ publicaram um estudo que mostra como o rompimento da barragem favoreceu a proliferação das bactérias que são naturalmente resistentes, principalmente, ao ferro. O problema é que essas mesmas bactérias são também resistentes aos antibióticos mais comuns, responsáveis pelo tratamento de infecções. O estudo também explica que a resistência a antibióticos é um dos maiores desafios da comunidade cientifica global, e que essa resistência pode e vai aumentar a letalidade de doenças que poderiam ser tratadas.

Um exemplo, são os casos de pneumonia e tuberculose que podem deixar de responder aos tratamentos se as bactérias continuarem a se proliferar e a criarem resistência. Fabiano Thompson, um dos autores do estudo, ressalta que o ambiente e as condições da água são propícios para o aumento da resistência. Outra conclusão que chama a nossa atenção é que os impactos disso para a saúde e o ambiente ainda são inconclusivos e desconhecidos, algo que só iremos ter mais certezas de os estudos continuarem. Ou se a negligência do estado continuar e as consequências começarem a se manifestar no corpo.

Krenak, Xukuru Kariri, Pataxó e Pataxó HãHãHãe

São inúmeros os crimes e atentados aos direitos humanos cometidos pela Vale com relação aos povos indígenas situados no território de Minas Gerais. Mais do que os crimes ambientais, a Vale é responsável por matar o avô dos Krenaks, que lidam de uma maneira completamente diferente de nós, urbanos, com o rio Doce. Impedir o livre exercício da espiritualidade é um atentado ao direito garantido, é um atentado ao modo de vida, um desrespeito aquele povo. Ao final do texto, você pode conferir o relato do líder e escritor Ailton Krenak, que contou parte dessa história em entrevista. Deixamos aqui a pergunta feita pela liderança Dejanira Krenak, que tentou explicar a importância do rio Doce aos representantes da Vale em reunião:

“De que forma você traz um morto à vida?”

A Vale também é responsável por limitar, negar e dificultar os acessos e saídas do povo Xukuru Kariri, que em certa situação foram impedidos de levar uma criança ao hospital, durante uma crise de bronquite asmática, por conta de terras deixadas ou implementadas pela mineradora no meio da estrada. São 16 famílias, 53 vidas humanas, enfrentando um sistema para garantir o mínimo para a existência, sem as condições necessárias para manter a garantia da vida. A Vale, que considera aquele terra como propriedade deles, pediu reintegração de posse e a advogada do povo comentou ao G1 que até aquele momento a comunidade não tinha recebido oficialmente a notificação do processo. Em nenhuma condição ou circunstância é devido o impedimento do acesso à saúde e muito menos o isolamento e/ou impedimento de saída do território, local que passou a ser moradia do povo após eles terem que sair do Sul de Minas fugindo de conflitos, algo que é constante para muitos povos que precisam enfrentar diversas circunstâncias de violência, inclusive armada, por algo que pertence a todos nós, a terra.

Do outro lado, os Pataxó e Pataxó HãHãHãe sofrem para ter acesso à água potável e a energia elétrica após terem que abandonar a região onde viviam por conta do rompimento da barragem de Brumadinho. O abandono do estado, que parece e é intencional, não só tirou eles de seu território, como não proporcionou nenhuma estrutura mínima para o bem estar dessas pessoas que precisam andar até a escola construída pelo líder para se hidratarem. Das 20 famílias, apenas cinco foram indenizadas pela Vale, sem emprego, sem a pesca, sem a venda de artesando, eles são obrigado a armazenar água da chuba em baldes. Mesmo situados a 700 metros do rio Paraopeba, eles não podem usar daquela água ou pescar nos rios, já que a qualidade do rio foi devastada pela lema. Algo que chama atenção, também, são os casos de doenças como desidratação, febre e disenteria entre as criaças, devido a má qualidade da água. E mais uma vez também temos a situação de ameaças de vizinhos e invasão da terra.


"Nós estamos vivendo uma outra realidade, que não é a do nosso povo. Isso não é culpa nossa, isso foi tirado de nós."

declarou o líder Angoho Pataxó ao R7

Em ambos os casos citados acima a Vale se limitou em nota a dizer que está cumprindo com todas as responsabilidades assumidas no plano de recuperação. Mentira sem igual, já que a recuperação em alguns pontos é inviável. Mentira porque até agora as promessas da Fundação Renova, criada pela Vale, não foram cumpridos. Mentira porque ao invés de dedicar seus bilhões de lucros, essas famílias já teriam o dinheiro necessário para a sobrevivência. Dinheiro esse que nem era o ponto de partida, que só passou a ser uma necessidade fundamental após a tragédia promovida pela Vale. A empresa ainda te audácia de dizer que está aguardando a conclusão de estudos para definir novos planos de reparação. É só da google, Vale! O que não falta é artigo, pesquisa e cientistas apontando sobre as causas e consequências das suas ações. O que não falta é gente tentando encontrar solução para o problema que vocês criaram.

E nem é preciso ir muito longe. Vocês já pararam para realmente ouvir esses povos? Vocês perguntaram quais são as necessidades deles? Vocês se questionaram e buscaram por conhecimento que auxilie na reparação mínima dos crimes cometidos por vocês? De acordo com Ailton Krenak a resposta é não. Vocês são percistentes no erro, porque nada importa mais do que seus lucros. Preferem pagar milhões em propagando em horário nobre ao invés de cumprir com as responsabilidades que assumiram pelos erros que vocês cometeram. É intencional e sempre será enquanto vocês não evoluírem. Enquanto o dinheiro for mais importante do que a vida, vocês não farão nada. E nós sabemos disso. E se vocês não querem fazer, nós faremos. E se vocês continuarem não fazendo, nós voltaremos. E se vocês mentirem, nós traremos a verdade. E se vocês ignorarem, nos iremos esfregar na cara do mundo o absurdo que é vocês ainda existirem de maneira tão erronia e desumana. Vocês estão se afogando em sangue e nós estamos aqui para lembra-los.

Vale

A Vale é uma mineradora brasileira. É uma das maiores do mundo e sua sede é no Rio de Janeiro. Ela produz minério de ferro, cobalto, carvão,, pelotas, níquel, cobre e outros metais. A empresa tem por volta de 75 mil funcionários e atua em mais de 30 países. Por ano, a Vale extrai milhões e milhões de toneladas de minério de ferro (fora os outros minérios!)e lucra outros tantos bilhões de reais.
A Vale foi fundada como uma estatal, por Getúlio Vargas no seu governo, em 1942, em Minas Gerais. Ela foi privatizada em 1997 por Fer Fernando Henrique Cardoso, em seu governo.


Até 2007 era chamada de VALE DO RIO DOCE, após, apenas VALE.
Depois de passar de empresa estatal à empresa privatizada, a Vale passou a ter acionistas. Ela é negociada em várias ações que são negociadas na bolsa de valores. A maior parte dessas ações(52%), pertencem a várias classes de investidores, principalmente estrangeiros. O maior acionista é a Litel Participações (19%), empresa que é formada por fundos de pensão estatais. Outros acionistas importantes são o BNDESPar, empresa de investimentos do banco público (7,6%); Bradespar, dona do Bradesco (6,3%) e a gestora Blackrock (5,9%).
O Governo Federal tem 12 ações da Vale. A participação do governo é irrelevante, mas constitui uma "golden share", classe especial que dá direito a intervenção e veto em movimentos estratégicos da empresa.

RENOVA E VALE, RESPONSÁVEIS PELAS TRAGÉDIAS

394 famílias ficaram desabrigadas após a tragédia de Brumadinho. Essas pessoas ficaram sem suas casas, e perderam sua dignidade, tiveram parte de sua história de vida enterradas junto com a lama. A Fundação Renova foi criada após a tragédia, após um compromisso jurídico chamado TERMO DE TRANSAÇÃO E AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TTAC). Esse termo define a atuação da Renova e foi assinado em junho de 2018 pela Fundação Renova, Samarco, BHP e Vale. A Fundação ficou responsável pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). A Fundação se define como uma "organização sem fins lucrativos".


As ações de reparação da Renova foram divididas em duas frentes principais. A primeira é sobre a reparação em si, com o intuito de reverter ou diminuir os impactos causados pelo rompimento (incluídos manejo do rejeito, reconstrução de vilas e indenizações, etc). A segunda é sobre a compensação, com o intuito de ressarcir a sociedade pelos danos gerais causados na vida das pessoas (restauração florestal, recuperação de nascentes e saneamento para as cidades nas margens do Rio Doce, etc).
No termo, também ficou acordado que a recuperação do Rio Doce seria feita por oma organização autônoma, que seria dedicada 100% a reparar e compensar os impactos.


Abaixo, o Termo:
https://www.fundacaorenova.org/wp-content/uploads/2016/07/ttac-final-assinado-para-encaminhamento-e-uso-geral.pdf

PROGRAMA DE REASSENTAMENTO


Na teoria, segundo o site da Fundação Renova, o Programa de Reassentamento atende a 557 famílias que perderam suas casas no rompimento da barragem. A maior parte delas participa de reassentamentos coletivos, criados para os moredores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana; e Gesteira, em Barra Longa, ambas em MG.
No site, se comprometem com a nova data de 2023 (não especifica o mês) para que os reassentamentos coletivos comecem a oferecer condições para que a comunidade reestabeleça sua vida social, econômica e cultural.
Mas, na realidade, o que acontece é bem diferente, confira... Pelo menos 55 pessoas "que deveriam ser reassentadas, morreram antes de pudessem receber as chaves, (segundo a Cáritas) entidade da igreja católica que atua ao lado dos atingidos."


A Fundação Renova não cumpriu com os acordos e pediu vários adiamentos para a entrega das casas. A primeira data acordada foi março de 2019.Depois, foi adiada para 27 de agosto de 2020.Não cumprindo o prazo, a data foi adiada pela terceira vez, para 27 de fevereiro de 2021. O novo prazo, segundo consta no site, é para 2023 e não especifica a data. Mas as obras estão longe de serem concluídas.
Lá em Bento Rodrigues, no reassentamento, existem apenas 5 casas prontas e em construção apenas 20, das 209 casas prometidas. Em Paracatu de Baixo, a demora é ainda mais assustadora e revoltante: nenhuma casa está pronta.

Das 97 casas. Informaram também que 95% das obras de infraestrutura estão concluídas (drenagem, energia elétrica, redes e de água e de esgoto), que o posto de saúde está pronto e a escola em fase final. A fundação diz ainda que se mantém dedicada às obras, com a previsão de gastar R$ 1 bilhão em menos de 1 ano, aumentando os gastos em relação a outros anos. A Fundação prestou contas ao Ministério Público. O mesmo, rejeitou por 4 vezes a prestação de contas, por não ter explicado os salários “exorbitantes” pagos aos seus diretores. A diretora de planejamento e gestão, por exemplo, recebeu pagamento anual maior que R$ 1 milhão.

Para o Ministério Público, os salários são totalmente desproporcionais ao valor pago no mercado. “Gera perplexidade em se tratando de instituição sem fins lucrativos”, diz o Ministério Público. A Fundação Renova enviou uma nota à Repórter Brasil, afirmando que não concorda com as alegações do Ministério Público, e que as suas contas são submetidas a uma auditoria independente, que aprovou a prestação de contas. Afirmou também que adota “valores compatíveis com as responsabilidades assumidas” para remunerar seus executivos.
A Fundação Renova foi acusada pelo MP de servir de escudo para a Samarco e suas acionistas: Vale e BHP, e de não atuar como agente efetiva para reparação humana, social e ambiental.

O Ministério Público pede que a Samarco, a Vale e a BHP sejam condenadas a pagar os danos materiais que a Fundação Renova não pagou e banquem uma indenização de R$ 10 bilhões por danos morais. A BHP foi procurada e disse que não recebeu intimação do Ministério Público, que oferece suporte à Renova. Vale e Samarco disseram que cabe à Fundação Renova a execução das medidas de reparação dos danos sociais e ambientais. Disseram ainda que apoiam o trabalho da fundação. O Ministério Público concluiu que a Renova não é uma fundação independente, e que na verdade ela é comandada pelas próprias empresas responsáveis pelo rompimento da barragem. “É como se fosse autorizado que os acusados pudessem decidir e gerir os direitos das suas próprias vítimas”, comparam os promotores de Justiça que assinam a ação, Gregório Assagra e Valma Leite.

A Fundação Renova virou alvo do Ministério Público, depois que a mineradora Samarco voltou a operar, com uma de suas minas a poucos quilômetros do reassentamento de Bento Rodrigues. Dias antes do retorno, o preço do minério de ferro bateu recorde no mercado internacional. Moradores afirmaram na época, que após 60 meses da tragédia, ainda não haviam sido indenizado porque os valores estão sendo discutidos. De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), de 925 núcleos familiares cadastrados em Mariana, apenas 345 haviam recebido indenizações finais. Outras centenas de famílias aguardam a conclusão das obras do novo Bento Rodrigues. O prazo fixado pela Justiça para a entrega do reassentamento era em fevereiro de 2021, mas a pandemia do coronavírus impactou o andamento dos trabalhos, que foram suspensos duas vezes e ainda continua indefinido.


Existem inúmeras ações civis públicas, cautelares e de cumprimento de sentença, que se justificam diante da demora e da negativa em relação ao cumprimento dos direitos dos atingidos. Promotor Guilherme Meneghin classifica a Fundação Renova como ineficiente, em relação à reconstrução das comunidades atingidas e ao pagamento de indenização. Segundo as investigações, a Vale instituiu uma espécie de “ditadura corporativa” que enfiou "goela abaixo" da sociedade e do poder público os riscos de sua atividade, enquanto escondia informações essenciais. Os investigadores disseram que existia uma verdadeira “caixa-preta” dentro da Vale, com muitas informações sobre os riscos não só na barragem de Brumadinho, mas de outras 9 estruturas.


Fabio Schvartsman, que assumiu a presidência da Vale em 2017 com o lema “Mariana nunca mais”, em referência ao desastre na barragem do Fundão (que tinha causado a morte de 19pessoas em 2015),foi denunciado por homicídio doloso. Schvartsman acabou deixando o cargo cinco semanas do rompimento da barragem em Brumadinho. A mineradora mineradora tomou essa decisão depois que os órgãos de investigação exigiram à empresa o afastamento dos quatro diretores e de uma dezena de outros funcionários com base nas “evidências obtidas” sobre o envolvimento deles no desastre.


A veracidade dos laudos de estabilidade das barragens foi colocada em xeque depois do rompimento em Brumadinho, e um clima de medo se espalhou entre as comunidades existiam próximo a essas estruturas. As fiscalizações das barragens de mineração no Brasil ficam a cargo da Agência Nacional de Mineração (ANM), que historicamente enfrenta problemas como um orçamento muito baixo e número insuficiente de servidores para realizar as vistorias dessas estruturas. A autarquia do Governo Federal concluiu um relatório técnico sobre o histórico da barragem do complexo Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, e afirmou que a Vale não seguia o rito legal de reportar as informações de segurança com a devida veracidade ao órgão, que atuava na ocasião com apenas oito fiscais.

“Se a ANM tivesse sido informada corretamente, poderia ter tomado medidas cautelares e cobrado ações emergenciais da empresa, o que poderia evitar o desastre”

afirmou a ANM no relatório.


Em decisões mais recentes, em junho de 2022 o ministro Edson Fachin, que é relator do caso, devolveu para a justiça de Minas a competência para julgar a ação penal sobre a tragédia de Brumadinho. Fachin derrubou uma decisão do STJ, que havia acatado um recurso de 2 réus, o ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman e o engenheiro Felipe Figueiredo Rocha, que trabalhava na Vale. Fachin definiu que a Justiça Federal teria competência para julgar a ação.
Com essa decisão do ministro Fachin, o processo criminal voltou a tramitar no foro inicial do mesmo, a Comarca de Brumadinho. Porém, a segunda turma do STF reanalisou a decisão por causa de recursos que foram protocolados por Fabio e por Rocha.

Abaixo, o site da Fundação Renova, bem lindo na teoria, olha só:
https://www.fundacaorenova.org/

ENTENDENDO O QUE A VALE E A SAMARCO FAZIAM NESSAS MINAS, O QUE RETIRAVAM E COMO A NEGLIGÊNCIA LEVOU AOS DESASTRES EM DETRIMENTO DO CAPITAL

QUE MINÉRIO ERA RETIRADO DO LOCAL E O QUE ERAM OS REJEITOS?


A barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho tinha como finalidade (de acordo com a própria Vale), a deposição de rejeitos. Esses rejeitos, são as sobras que a Vale extrai de minério de ferro, usado na fabricação de diversos itens, como carros e eletrodomésticos, e muito usado também na construção civil. O minério de ferro é extraído de rochas ricas em ferro. Depois de extraído da natureza, a Vale separa o minério do material sem valor de mercado. Esse processo é chamado de beneficiamento.
É chamado de rejeito de mineração, o material que sobra quando se usa água para separar o minério de ferro do material que não tem valor comercial. Essa é a forma mais barata de fazer o beneficiamento e muito provavelmente esse método foi escolhido por isso mesmo, por se gastar pouco.Existem processos de beneficiamento bem mais modernos, que não usam água. Esses processos sem água, não necessitam de barragem para rejeitos.
Normalmente, esse rejeito contém minérios pobres, com pouco ferro, areia e água. Por isso parece lama.

O QUE É UMA BARRAGEM DE REJEITOS?


Depois do beneficiamento, os rejeitos têm que ser depositados em algum local.
Nessa barragem da Vale, a barragem de contenção foi a estrutura escolhida para armazenar o rejeito do minério bebeficiado por eles. Esse é o método mais barato, antigo e simples. Esse método é considerado menos seguro e mais propenso a acidentes. É feito um dique, que tem como finalidade barrar a lama. Esse dique é feito com solo compactado e blocos de rocha ou do próprio rejeito. À medida que o reservatório vai enchendo, novas camadas da barragem são construídas. Esse processo é chamado de alteamento.
Esse método, foi o mesmo usado na barragem da Samarco, que estourou em Mariana em 2015. A Vale é uma das donas da Samarco e também responde na justiça pela outra tragédia. Uma empresa, duas tragédias...

COMO ERA A ESTRUTURA DA BARRAGEM DE BRUMADINHO?


Em Brumadinho, a barragem de contenção foi a estrutura escolhida para armazenar o rejeito do minério beneficiado por eles. Esse é o método mais barato, antigo e simples. Nessa barragem da Vale, que se rompeu, usavam o método de alteamento a montante. Nesse sistema, quando a barragem fica cheia, ela vai sendo elevada por meio de degraus construídos sobre um dique (ou barreira de contenção) inicial. A barragem de Brumadinho estava inativa e não recebia rejeitos há 3 anos.

QUAL ERA A IMPORTÂNCIA DA MINA DE BRUMADINHO PRA VALE?


Da mina de Córrego do Feijão, onde fica a barragem que se rompeu, foram extraídos 8,5 milhões de toneladas de minério de ferro (equivalente a 2% de toda a produção da empresa). A mina faz parte do complexo Paraopeba, que produziu 27,3 milhões de toneladas de ferro em 2018 (mais ou menos 7% de toda a produção da empresa, naquele ano).

A negligência do estado e da justiça

O plano de campanha do governador Romeu Zema (Partido Novo) não teve propostas específicas para a área ambiental. A palavra “ambiente” apareceu treze vezes, quase sempre ao lado da expressão “de negócios”, e nunca se referindo à natureza. Apesar disso, Zema criticou de modo geral os licenciamentos feitos pelo estado, afirmando que “desincentivam”, “criam burocracias” e “gastos” aos empresários. Adicionou ainda que isso não evitou irregularidades.

O governador Zema, que já tratou o tema publicamente como “incidente”, leva acusações de deputados que reclamam de uma interferência do governador. Segundo os deputados, Zema trabalha pra que não saia do papel uma possível Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que trate sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), além de estar pressionando o Legislativo por conta da sua proximidade com diretores de mineradoras.

A relação entre Partido Novo e as mineradoras ficou mais explícita na nomeação de dois nomes para secretarias essenciais na definição das ações econômicas do Estado. Manoel Vítor de Mendonça Filho, que assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, era vice-presidente da mineradora Gerdau-Açominas. E Otto Levy Reis, que assumiu a Secretaria de Planejamento e Gestão, antes trabalhou em diversos cargos de chefia da Magnesita Refratários, empresa que possui um grande setor de mineração.

AILTON KRENAK E AQUILO QUE NÃO DEVEMOS ESQUECER

Em entrevista ao Brasil de Fato em 2020, o líder e escritor, Ailton Krenak deu uma aula não só dos impactos causados pelo rompimento da barragem, mas também sobre as histórias e visões dos outros e de seu povo a respeito do bem viver. Poderíamos escolher resumir o que foi dito por ele, mas nossas palavras seriam insuficientes para explicar tamanha complexidade que ele traz em palavras simples, de maneira tão didática e poética. Recomendamos que você, caro leitor, leia a matéria na íntegra. Também recomendamos que você leia os livros de Ailton, mergulhem nesse rio. Cada braçada contra correnteza da ignorância vale a pena quando o que buscamos é o bem viver explicado por ele logo abaixo. Deixamos aqui, como conclusão, uma breve compilação da sabedoria partilhada por ele na entrevista.

"O Watu é uma transcendência do sentido físico material de um rio para uma entidade que é nosso parente. Nós chamamos ele de avô. Então nós conversamos com Watu como você conversa com algum familiar seu, com sua avó, com seu avô, com seu irmão. Quando uma criança nasce, ela é apresentada para esse avô que é o rio e, com trinta dias de vida, os pais dessa criança mergulham o corpinho daquela criança nas águas do Watu pra vacinar ele.

É o entendimento de que aquilo vai blindar a criança, vai proteger a criança contra doenças. Mesmo antes da invenção das vacinas, os nossos antigos acreditavam que tinha eficácia em botar nossas crianças dentro da água, falar com o rio e pedir pra ele proteção para aquelas pessoinhas que estavam começando suas vidas, pra poderem andar, serem fortes.

[...]

Todo esse dano implicaria em um investimento muito maior, para recuperar ambientalmente a bacia do rio Doce. Então, é moleza transformar isso em compensação financeira. É o jeito fácil de fazer todo mundo esquecer o que aconteceu e seguir a vida – continuar consumindo, continuar afetando cada vez mais a qualidade de vida nos seus próprios territórios.

[...]

Com a dissociação da ideia de que o mundo é uma coisa e nós, os humanos, somos outra, nasceu essa abstração que chamam de meio ambiente.

Meio ambiente é uma invenção da cabeça das pessoas que não conseguem viver a experiência de conversar com o rio, com a montanha, de se sentir afiliado ao território onde vive. Então essas pessoas sem cultura, sem identidade precisam imaginar uma ciência ambiental pra dar conta do estrago que eles estão fazendo na Terra, na vida.

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Eu costumo dizer que agora estamos vivendo uma economia do desastre. Famílias que viviam de subsistência, de uma hora pra outra, passaram a viver da indenização. Essas pessoas deixam as suas vidas e passam a viver uma outra vida, que é a vida de quem vai administrar o dinheiro da indenização. É como se você se aposentasse antes do tempo, como se você tivesse sua vida suspensa e uma vida substituta pra você ir pra fila todo mês pegar dinheiro pagar conta e comprar coisa. É um confinamento.

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É uma falta de governança, é falta de saber que isso aqui é um país e que as bacias hidrográficas constituem o território brasileiro. Elas não são propriedade particular das mineradoras. Se elas estragarem essas terras, elas devem muito mais do que indenização pra essas famílias. Elas estão causando um dano ao bem comum, a um patrimônio que é do país inteiro, que é do povo brasileiro. Agora, se o povo brasileiro ficou todo idiota e não sabe mais nem ver quando está sendo roubado, então a gente vai ficar na mão dessas corporações.

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Aqueles corpos não importam, se a barragem passar em cima e matar todo mundo não tem problema nenhum, porque historicamente esses corpos nunca existiram. Nunca foi gente que morou naquelas vilas. Pros mineradores quem estavam lá eram os escravos. E escravo só tem valor quando está com saúde e trabalhando. Na história colonial do Brasil, um corpo não vale nada se ele não estiver produzindo

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Não é falta de esclarecimento, é a persistência de uma atividade extrativista econômica e que não tem coragem de evoluir, porque se a mineração tivesse coragem de investir e evoluir ela não faria o dano que ela faz nos lugares onde ela se instala.

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Seria talvez um exagero imaginar que depois de uma história tão predatória e a constituição, a formação de uma sociedade desigual, complexa e desigual como a brasileira que o pensamento, que a perspectiva dessa minoria que são os povos indígenas, pudesse criar mudança nesse mundo, onde a infraestrutura e a governança da coisa é feita por não-indígenas.

Eles não respeitam nem os seres humanos que são mais ou menos parecidos com eles, imagina se vão respeitar um rio.

As coisas vão de mal a pior não é por falta de conhecimento, as coisas vão de mal a pior é por causa de uma ideologia, é uma ideologia individualista, que dá prêmio para meritocracia, que estimula competição e que não está interessada em aprender a viver bem. As pessoas estão interessadas em se dar bem, que é diferente de bem viver.

O pensamento indígena é o pensamento do bem viver e a sociedade estimula o se dar bem, então está cheio de gente que só quer se dar bem. O empreiteiro quer se dar bem, o diretor da mineração quer se dar bem, o cara que dá licença fajuta quer se dar bem, o membro do conselho que deveria votar sim ou não quer se dar bem.

Como toda essa cadeia cooperativa entre si quer se dar bem, vai demorar muito pra eles darem ouvido a um pensamento dos povos originários, de que a terra é nossa mãe e que a gente precisa respeitar a vida para além do humano. Não é só gente, homem, que vive. Eles não respeitam nem os seres humanos que são mais ou menos parecidos com eles, imagina se vão respeitar um rio.

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Então, meus amigos, é necessário ver que o povo indígena é uma minoria ínfima e pretender que o povo indígena vá influenciar essa maioria escandalosa predatória seria querer muito, né? Tomara que a gente consiga, pelo menos, ficar vivo – que já seria uma vitória.

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